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terça-feira, 5 de junho de 2012

"Que a terra lhe seja leve" grande revolucionária!

Hoje é um dia especialmente triste...ela fez a passagem! A mulher mais revolucionária que conheci na vida. Sempre á frente do seu tempo, lutando contra as injustiças e desigualdades do mundo. Pertenceu a União Subversiva do Pará em plena ditadura militar. Lavadeira que era, carregava em suas trouxas de roupa mensagens secretas de um “aparelho” a outro sem que os “milicos” percebessem nada, atravessava a cidade inteira com um chapelão de palha e sua trouxa na cabeça e fazia a comunicação entre os camaradas da Suberva com maestria e muita, muita esperteza. Nas mensagens trocadas, os camaradas combinavam ações, ataques, panfletagens, estratégias para subverter a ordem! E a ordem era lutar, morrer se preciso fosse para garantir direitos básicos como o pensar, o se expressar. Coisas como ler um livro sem ser preso, torturado e morto por um sistema vil e doentio. Direitos que hoje nós temos, graças, em partes, a essa mulher.

Ela fundou o primeiro sindicato de domésticas do Pará, porque ela também fora doméstica e sofrera com as explorações e abusos dos patrões sedentos por prazer e das patroas sempre muito mal humoradas e grosseiras, que tratavam as domésticas como bichos. De certa forma, ela foi uma das centenas de guerrilheiras da Guerrilha do Araguaia. Na ocasião ela abrigou mais de uma dúzia de meninos e meninas em sua casa no Guamá, periferia de Belém. Quando foram chamados os camaradas de Belém para se apresentarem no front, os que tinham filhos pequenos, que não contavam com o apoio da família, e muitos não contavam, inclusive nossa heroína. Eles procuravam os companheiros do movimento para deixar seus filhos em segurança e muitos não voltaram, nunca! E essa mulher criou, como seus filhos, os órfãos da Guerrilha do Araguaia.
















Seu filho mais velho, José, era Funcionário Público Federal, não que ele pertencesse ao sistema, mas era pai de família e precisava trabalhar. Com muito medo de que sua mãe fosse pega pelos “milicos” ele tentou tirá-la de circulação por duas ou três vezes, mandando-a para o interior, ou qualquer lugar seguro, mas ela se recusara. Teve voz de prisão decretada por três vezes, mas esperta como ela só, nunca conseguiram colocar as mãos nela.

Essa mulher foi tão inacreditavelmente fascinante que, fez da sua dor de perder um filho, uma solução para um camarada que estava prestes a ser preso, torturado e morto pelo DOPS. Ao perder seu filho mais novo,  João, ela trocou os documentos dele pelos do camarada em apuros, e enterrou seu próprio filho, fingindo uma não dor, com outra identidade, liberando assim, o camarada em apuros para fugir do país. Hoje, seu “filho” vive na Rússia. E mesmo depois de uma certa idade, ela continuou lutando. Em seu auto-exílio, como ela tratava sua mudança para Marudá, distrito de Marapanim, na Zona do Salgado, Nordeste paraense, me confessara certo dia, dentro de sua “cela”, como ela chamava seu quarto, que só aos oitenta anos ela havia conhecido o orgasmo!

Contou-me que seu marido serviu-se dela anos a fio, que orgasmo não era coisa de mulher direita e sim de mulher da vida, que naquela época era assim: havia um lençol com um único buraco na direção da genitália e que quando o marido chegava em casa, á noite, ela já estava pronta para satisfazer suas vontades e sem dar nenhum pio, porque se fizesse qualquer ruído era espancada e largada na rua da amargura com seus cinco filhos. Já viúva havia muitos anos, ela teve um homem, mais novo, que a fez, pela primeira vez na vida, saber o que era um orgasmo! E aquela altura de sua vida já havia caído por terra a “Estória da Carochinha” de que orgasmo era coisa de mulher da vida!




 
Em Marudá, era a pessoa mais querida do lugar, com sua corcunda protuberante, que só aumentava com a idade, seus cabelos longos, lisos e totalmente brancos, que mais pareciam algodão, enrolados em um coque alto, seu bermudão, camiseta e chinela de dedo, com seus passos firmes ela descia em direção a praia. No caminho eram tantas as paradas, todos, nativos ou veranistas, faziam questão de tê-la, ainda que por cinco minutos, a contar seus “causos” ou experiências de vida. Havia uma senhora, Dona Nazaré, que tinha uma casa que estava sempre cheia de jovens em época de férias ou feriados prolongados que, ali a parada era mais longa, cerca de uma ou duas horas, pois as pessoas faziam questão de sua companhia. Era incrível. E os jovens tocavam violão e ela cantava e tomava sua cervejinha e contava a história das músicas. Como é possível uma pessoa que, só tinha a quarta série primária saber tanto, e sobre tudo?

Ela encantava a todos por onde passava. Continuando seu passeio ela fazia mais uma dúzia de paradas e chegava ao carimbó e lá era rainha, cantava, dançava e mais uma vez encantava a todos. Ah Dona Lóca, a senhora vai deixar saudades...


Seu nome? Lourença Duarte da Silva Ribeiro. Este ela recebera no batismo, mas todos a chamavam de Lóca, ou Dona Lóca ou tia Ló. Seu nome de “guerra”, de subversiva era Eleonora, a Nôra. Pra mim simplesmente, Vovó Lóca ou Veinha, a minha Veinha, com quem aprendi a lutar mesmo quando a causa parece perdida. Com quem aprendi que meus direitos terminam onde começa o direito do outro e que respeito é fundamental. Com quem fui muito, mais muito feliz e de quem vou sentir muita falta! E é também a mulher que levarei comigo sempre, como um exemplo de luta, de inteligência, de amor, de vida! Vai em paz Veinha! “Que a terra lhe seja leve”...



"Nunca deixe que te tirem a felicidade, seja sempre feliz. O sorriso faz milagres"(Vovó Lóca)
 

NOTA DA AUTORA: Por questões de segurança da família, muito embora se viva hoje em uma democracia, os personagens desta história receberam nomes fictícios, a exceção da nossa heroína, Vovó Lóca.