Ela fundou o primeiro sindicato de domésticas do Pará, porque ela
também fora doméstica e sofrera com as explorações e abusos dos patrões
sedentos por prazer e das patroas sempre muito mal humoradas e grosseiras, que
tratavam as domésticas como bichos. De certa forma, ela foi uma das centenas de
guerrilheiras da Guerrilha do Araguaia. Na ocasião ela abrigou mais de uma
dúzia de meninos e meninas em sua casa no Guamá, periferia de Belém. Quando
foram chamados os camaradas de Belém para se apresentarem no front, os que
tinham filhos pequenos, que não contavam com o apoio da família, e muitos não
contavam, inclusive nossa heroína. Eles procuravam os companheiros do movimento
para deixar seus filhos em segurança e muitos não voltaram, nunca! E essa
mulher criou, como seus filhos, os órfãos da Guerrilha do Araguaia.
Seu filho mais velho, José, era Funcionário Público Federal, não que ele
pertencesse ao sistema, mas era pai de família e precisava trabalhar. Com muito
medo de que sua mãe fosse pega pelos “milicos” ele tentou tirá-la de circulação
por duas ou três vezes, mandando-a para o interior, ou qualquer lugar seguro,
mas ela se recusara. Teve voz de prisão decretada por três vezes, mas esperta
como ela só, nunca conseguiram colocar as mãos nela.
Essa mulher foi tão inacreditavelmente fascinante que, fez da sua dor
de perder um filho, uma solução para um camarada que estava prestes a ser
preso, torturado e morto pelo DOPS. Ao perder seu filho mais novo, João, ela trocou
os documentos dele pelos do camarada em apuros, e enterrou seu próprio filho,
fingindo uma não dor, com outra identidade, liberando assim, o camarada em
apuros para fugir do país. Hoje, seu “filho” vive na Rússia. E mesmo depois de
uma certa idade, ela continuou lutando. Em seu auto-exílio, como ela tratava
sua mudança para Marudá, distrito de Marapanim, na Zona do Salgado, Nordeste
paraense, me confessara certo dia, dentro de sua “cela”, como ela chamava seu
quarto, que só aos oitenta anos ela havia conhecido o orgasmo!
Contou-me que seu marido serviu-se dela anos a fio, que orgasmo não
era coisa de mulher direita e sim de mulher da vida, que naquela época era
assim: havia um lençol com um único buraco na direção da genitália e que quando
o marido chegava em casa, á noite, ela já estava pronta para satisfazer suas
vontades e sem dar nenhum pio, porque se fizesse qualquer ruído era espancada e
largada na rua da amargura com seus cinco filhos. Já viúva havia muitos anos,
ela teve um homem, mais novo, que a fez, pela primeira vez na vida, saber o que
era um orgasmo! E aquela altura de sua vida já havia caído por terra a “Estória
da Carochinha” de que orgasmo era coisa de mulher da vida!
Em Marudá, era a pessoa mais querida do lugar, com sua corcunda
protuberante, que só aumentava com a idade, seus cabelos longos, lisos e totalmente
brancos, que mais pareciam algodão, enrolados em um coque alto, seu bermudão,
camiseta e chinela de dedo, com seus passos firmes ela descia em direção a
praia. No caminho eram tantas as paradas, todos, nativos ou veranistas, faziam
questão de tê-la, ainda que por cinco minutos, a contar seus “causos” ou
experiências de vida. Havia uma senhora, Dona Nazaré, que tinha uma casa que
estava sempre cheia de jovens em época de férias ou feriados prolongados que,
ali a parada era mais longa, cerca de uma ou duas horas, pois as pessoas faziam
questão de sua companhia. Era incrível. E os jovens tocavam violão e ela
cantava e tomava sua cervejinha e contava a história das músicas. Como é possível
uma pessoa que, só tinha a quarta série primária saber tanto, e sobre tudo?
Ela encantava a todos por onde passava. Continuando seu passeio ela
fazia mais uma dúzia de paradas e chegava ao carimbó e lá era rainha, cantava, dançava
e mais uma vez encantava a todos. Ah Dona Lóca, a senhora vai deixar
saudades...
Seu nome? Lourença Duarte da Silva Ribeiro. Este ela recebera no
batismo, mas todos a chamavam de Lóca, ou Dona Lóca ou tia Ló. Seu nome de “guerra”,
de subversiva era Eleonora, a Nôra. Pra mim simplesmente, Vovó Lóca ou Veinha,
a minha Veinha, com quem aprendi a lutar mesmo quando a causa parece perdida. Com
quem aprendi que meus direitos terminam onde começa o direito do outro e que
respeito é fundamental. Com quem fui muito, mais muito feliz e de quem vou
sentir muita falta! E é também a mulher que levarei comigo sempre, como um
exemplo de luta, de inteligência, de amor, de vida! Vai em paz Veinha! “Que a
terra lhe seja leve”...
"Nunca deixe que te tirem a felicidade, seja sempre feliz. O sorriso
faz milagres"(Vovó Lóca)
NOTA DA
AUTORA: Por questões de segurança da família, muito embora se viva hoje em
uma democracia, os personagens desta história receberam nomes fictícios, a
exceção da nossa heroína, Vovó Lóca.
2 comentários:
Azuir Disse:
Saudação Fraterna a Santa Vovó Lóca do Araguaia.
Esta viva na gente com Amor. Atingiu a Eternidade.
Nossa Homenagem carinhosa, nossa Poesia e Canção.
VOVÓ LÓCA SANTA GUERRILHEIRA,
DIVINA MULHER LUTADORA.
Revolucionária Danada, da União Subversiva do Pará.
Uma História Encantada, de ser bela e de tanto lutar.
Heróica e destemida Brasileira, idealista e sonhadora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Ela tem uma linda História, e merece a nossa canção.
Do Resgate da sua memória, de um tempo de repressão.
Araguaia Benta Bandeira, gente jovem empreendedora
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Todo existência defender, e dar a vida se preciso for
Encontrou o sentido de viver, Justiça, Direito e amor
A Patriota Guerreira, na linha de frente batalhadora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Foi da Guerrilha do Araguaia, como Leoa fez lutar.
Mulher de não fugir da raia, de nada lhe amedrontar.
Nas barricadas a primeira, toda coragem pra enfrentar
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Por toda a vida a batalhar, necessidade e a convicção
Nunca fez os Pontos entregar, deu imensa contribuição
Com seu trabalho de Lavadeira, da família mantenedora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Era Suberva Subversiva, tão doce Mulher Camarada.
Uma Agente Interativa, com toda sua Turma Integrada.
Jovem de Consciência Justiceira, da Causa Salvadora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Ela foi da Fundação, do Sindicato Domésticas do Pará
A Socialista por vocação,da Comunhão e do partilhar.
Não era uma desordeira, era Romântica e sonhadora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Escudada por muita Fé, vida impregnada do celestial.
Protegeu-lhe o filho José, Funcionário Público Federal.
Tinha Deus pai e Mãe Altaneira, a presença intercessora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Sempre lutou e fez se doar, Amiga e Humana sem fim
Se auto exilou em Marudá, um Distrito de Marapanim.
Mulher operosa e tão obreira, era atenta e observadora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Tinha o dom do encantamento, uma criatura adorável.
Luminosa todo momento, femininamente admirável.
Uma Convicção Guerreira, uma senhora Batalhadora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Lourença Duarte da Silva Ribeiro, Tia Ló e Dona Loca.
Povo por Liberdade Guerreiro, toda a mata uma só toca.
Toda a Amazônia um terreiro, e uma missão defensora.
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Toda uma Vida especial, na sua História de batalhar.
Buscando a Igualdade ideal, do Trabalhador desfrutar.
Foi Feminina e sobranceira, respeitada e respeitadora
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Vovó Lóca que nos dizia, tem de com felicidade estar.
Nunca lhe tirem a alegria, ela faz milagres realizar.
A existência é inteira, se vida pessoal é realizadora
Vovó Lóca Santa Guerrilheira, Divina Mulher Lutadora.
Azuir Filho e Turmas de Amigos: do Social da Unicamp, Campinas, SP, de Rocha Miranda, Rio de janeiro, RJ e de Mosqueiro, Belém do Pará.
Muito obrigada!
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